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O Relato |
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4º Dia - "Tentei fazer umas fotos noturnas, pois a lua iluminava as montanhas. E o céu estrelado... uma coisa de louco!" Como não sabia a que horas nasceria o sol, acordei várias vezes durante a madrugada. O céu estrelado estava deslumbrante - o hotel desliga os geradores à meia-noite, então fica tudo na mais completa escuridão. Para completar, eu podia ver o contorno das montanhas e a neve iluminados pela lua minguante. Dá para esquecer um cenário assim? Tirei fotos também do amanhecer. Não chegou a ser aqueles raios de sol vermelho que vemos nos postais - acredito que seja assim só no inverno - mas estava bonito mesmo assim. |
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Depois do café-da-manhã, estava pronta para começar o dia. Saí às 9:00 com o motorista Maurício, que pacientemente parou todas as vezes que pedi para tirar fotos - e olha que gastei quase dois rolos de filme neste dia! Tive muita sorte de ver o lago Pehoé sem muito vento, era quase um espelho refletindo as montanhas. Era tudo o que eu queria! Acho que foi o único dia em que vi o lago assim, pois ventava pouco. À tarde mesmo já não estava tão calmo. Me disseram que o inverno é a época em que quase não venta, então dá para visitar o parque apesar do frio e da neve, pois com a ausência de vento o frio não é tão ruim assim. É claro que os serviços são limitados no inverno e as trilhas cobertas de neve exigem prática. O tempo estava parcialmente nublado pela manhã e foi abrindo ao longo do dia. Acabou fazendo bastante calor. Fizemos uma curta caminhada até o mirante do Salto Grande, uma pequena mas volumosa queda d'água entre os lagos Nordenskjöld e Pehoé. Seguindo para leste, paramos várias vezes na estrada que cruza o parque, não só pela paisagem, mas pelos animais: uma raposa (zorro, em espanhol), bandos de guanacos e vários ñandus. Os guanacos são uma espécie de camelo da Patagônia e seus filhotes são chamados de chulengos.
Chegamos à portaria (guarderia) Laguna Amarga do parque por volta de meio-dia. Apesar do nome, a laguna não fica ali. Esta é a entrada principal do parque, onde chegam as pessoas que vêm de Puerto Natales por terra. Paga-se a tarifa do parque - cerca de US$10 - e o guarda anota que passeios você pretende fazer. Não sei se tem a finalidade só de estatística ou se também serve para buscar alguém desaparecido - esta última hipótese me parece muito complicada... Do Lago Pehoé até perto da guarderia, os Cuernos (chifres) dominam a paisagem. São três montanhas onde a erosão deixou à mostra rochas com camadas escuras (vulcânica) e claras (granito), e a forma da parte clara lembra um pouco um chifre. Seguindo adiante, somem os Cuernos e surgem então as Torres que dão nome ao parque: são três rochas íngremes e visivelmente são a mesma formação dos Cuernos. |
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Subimos a estrada que vai até a Cascada Paine, uma cachoeira no rio Paine. Nada de impressionante, mas é uma cachoeira volumosa num canyon. Havia muitas árvores queimadas na área, mas acho que não era recente. Continuamos na estrada em direção à Laguna Azul. É um trecho pouco visitado e a estrada é bonita, permitindo freqüentes encontros com guanacos e ñandus e onde as onipresentes Torres completam a paisagem. A Laguna Azul permite uma das melhores vistas para as Torres, apesar da distância. Com a água parada - não era bem o caso - as Torres se refletem nas águas da laguna, onde vários pássaros podem ser vistos nadando ou voando. Também vi dois condores voando não muito alto - um belo espetáculo.
Descemos por outra estrada, sempre encontrando animais, até a Laguna Amarga, um enorme lago de águas leitosas de cor esmeralda - efeito causado por finas partículas em suspensão, oriundas das geleiras, que vão "moendo" com seu peso as rochas por onde passam. Diante deste belo cenário, lanchei. O lunch pack do hotel era um exagero, com três sanduíches, um pacote de biscoitos, suco e água. |
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Voltamos então pela mesma estrada da manhã, sem grandes novidades mas com algumas novas paradas para fotos - afinal, a luz muda um pouco a paisagem. Eram cerca de 15:00 quando chegamos ao estacionamento perto do Salto Grande, de onde saímos para uma caminhada de cerca de 30min até o Mirador de Los Cuernos ou Mirador Nordenskjöld - vi os dois nomes para indicar este lugar que fica - caso alguém não tenha desconfiado - à beira do lago Nordenskjöld em frente aos Cuernos. É uma trilha fácil, quase só plana e bem marcada, passando por uma área de arbustos que achei muito interessantes, pois parecem cuidadosamente podados. Apelidei a trilha de "Jardins do Paine". A trilha seguia para o alto de um morrinho, mas fiquei ali mesmo à beira do lago, de onde se vê também o Vale Francês e o refúgio Los Cuernos, onde eu ia passar a noite uns dias depois durante as caminhadas mais longas. Pude assim ter uma idéia do que me aguardava. O legal é que eu estava a 100m de altitude, vendo bem à minha frente uma montanha com 2600m - uau! De volta à estrada, com o tempo um pouco mais nublado, mas ainda bom, paramos no Hotel Explora para ver o Salto Chico (pequeno, em espanhol), que fica no rio Paine. "Ué", pensei, "rio Paine de novo?" Observando melhor o mapa, vi que este rio começa em algum lugar fora do mapa - provavelmente uma geleira - passa pelo Lago Dickson (que fica do outro lado das montanhas, ao norte do parque, numa área onde não há estradas), sai como rio no qual fica a cascata Paine, cai no Lago Nordenskjöld, que cai no Lago Pehoé, de onde sai esse rio onde fica o Salto Chico, que finalmente chega ao Lago Toro. Todos os trechos de rio no final compõem o Rio Paine. Este Hotel Explora é um hotel de luxo (embora por fora não pareça nada especial) onde os hóspedes têm à disposição guias para uma série de passeios todos os dias, contando inclusive com barcos próprios para cruzar o lago Pehoé. Não é à toa que seus preços são exorbitantes - eles só trabalham com pacotes, que podem ser de 3, 4 ou 7 dias. Sinceramente? Não acho que valha a pena, exceto pela vista para o lago, que nem todos os quartos têm. Cheguei a Posada Serrano, onde iria passar esta segunda noite no parque, mais ou menos às 17:00. Nada de vista privilegiada, as acomodações são bem simples e os preços, naturalmente, bem mais em conta. Fiquei num bloco onde haviam cinco quartos, creio que todos eles com banheiro compartilhado. Simples mas limpo. Aqui também o gerador é desligado de madrugada. O jantar estava incluído, estava ok mas não oferecem muitas opções - talvez tivesse sido melhor comer a la carte. |
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5º Dia - "Aí veio a emoção de caminhar sendo açoitados pelos ventos patagônicos, que quase derrubam a gente."
Acordei "tarde" - umas 7:30 - e tomei um bom café-da-manhã, com destaque para os biscoitos e para a geléia.
Aquele pacote do passeio de barco e de bote da Onas incluía um passeio pelo parque. O passeio normalmente é feito começando por terra a partir de Puerto Natales, parando em alguns lugares a partir da Laguna Amarga, almoçamdo na Hosteria Tyndall e visitando o Lago Grey; no dia seguinte, tem o passeio de bote descendo o Rio e depois o de barco de volta a Puerto Natales. Pessoalmente acho que é melhor começar ao contrário, que foi como eu fiz, mas nesse caso se perde o passeio da manhã. Desta forma, eu não tinha nada para fazer até 13:00, quando me pegariam para almoçar e ir ao Lago Grey.
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A Posada Serrano fica pertinho da Administración CONAF - a sede do parque - então fui lá. Existem salas com posters mostrando a geologia, a história, a flora e a fauna da região, inclusive com uma maquete do parque, que dá uma noção das trilhas nos vales, bem como da posição das montanhas, lagos e geleiras. Dois animais importantes porém difíceis de encontrar são o huemel, uma espécie de cervo, e o puma. No fundo do prédio existe uma plataforma junto ao Lago Toro com desenhos dos pássaros que podem ser vistos alí, como o ganso caiquén e o mergulhão pimpollo. Sentei ali para ver os pássaros e choveu por cerca de meia-hora. Não era chuva forte, mas somada ao vento me fez sentir frio. Quando voltei à pousada, tratei de colocar uma meia-calça de lã - neste dia ela foi providencial. A van só me apanhou às 14:00, com o motorista, o guia e outros nove turistas, inclusive uma família que fez o passeio no rio junto comigo. Almoçamos na Hosteria Tyndall, desta vez foi um menu fixo, não era buffet. O tempo estava bem melhor quando pegamos a estrada para o Lago Grey, que não fica muito longe, mas a estrada é de cascalho e por isso levamos, creio, meia hora para chegar lá. A partir do estacionamento, junto ao refúgio, começamos uma caminhada, passando por uma ponte pênsil, depois cruzando um pequeno bosque, até chegar a uma "praia" de cascalho à beira do lago salpicado de icebergs. Caminhar nessa praia não é fácil, pois venta muito - tem-se a impressão que o vento vai derrubar a gente. Ao fundo, bem ao longe, vê-se a geleira Grey. Para vê-la melhor, subimos numa rocha - ela é como uma ilha - no final da praia, sempre lutando contra o vento. É surpreendente ver as árvores que conseguem crescer, ainda que tortas, vencendo o vento. Dava para ver ainda muita fumaça na trilha que vai até a geleira, provavelmente os focos de incêndio eram alimentados pelos ventos. Na volta, caminhamos contra o vento, lutando para seguir em frente e até mesmo para respirar. Voltamos à estrada, com muito vento o tempo todo - o Lago Pehoé nem parecia aquele que eu havia visto na véspera. Uma pessoa ficou na Hosteria Tyndall, o resto voltou com a van para Puerto Natales, sendo que eu e mais alguns descemos na guarderia Laguna Amarga, de onde se pega um micro-ônibus para a Hosteria Las Torres, bem como para os refúgios e os campings. Uma dica: existe um preço afixado nos ônibus, mas na verdade o transporte é grátis para todos os hóspedes, ou seja, só paga mesmo quem entra só para fazer a trilha. Outra dica: ali tem um quiosque onde vale a pena comprar água: eles cobram 800 pesos por uma garrafa grande, enquanto no quiosque perto da hosteria ela custa 2000! Esta é a parte mais movimentada do parque, devido à maior concentração de acomodações, além é claro do fato de ser o ponto de partida da trilha que leva à base das Torres del Paine. A Hosteria Las Torres é excelente, mesmo nos quartos da categoria standard como o que fiquei. Confortável e aconchegante, mas nada barato... Tive uma ótima impressão do refúgio - o ônibus parou lá antes de ir para a hosteria. Este era o refúgio Las Torres, mas a mesma empresa administra o El Chileno, já na trilha para as Torres, e o Los Cuernos, onde eu ia ficar dias depois.
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6º Dia - "Foi uma caminhada dura, especialmente a volta sob chuva. O mais triste foi ter visto as famosas Torres del Paine meio encobertas." Às 6:00 eu estava de pé. Arrumei minha mochila para a caminhada e fui tomar o café-da-manhã, que é bastante farto e variado, mas senti falta de um bolo simples (tinha muitos doces mais pesados, como bombas de chocolate, creio que sobra do jantar da véspera). |
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Saí às 7:30, toda animada e confiante. O céu estava cinza, mas não ameaçador. Levava no bolso da parka o mapa JLM, o preferido de nove entre dez caminhantes no Paine por sua boa indicação das trilhas e do relevo. Da hosteria são dez minutos para chegar ao começo da trilha, onde tem uma placa e começa a subida. A trilha aqui é marcada com postes de madeira pintados de branco e vermelho, facilmente vistos na esparsa vegetação. Como era bem cedo, muitos pássaros cantavam. Cerca de meia hora depois já era possível ver o Lago Nordenskjöld e com cerca de uma hora terminava o trecho de subida desta primeira etapa. Começava assim a entrar no vale do Rio Ascencio e o lago sumia de vista. Com mais meia hora - bem antes do previsto no mapa - e andando praticamente no plano, chegava no refúgio El Chileno, onde dei uma parada para descansar e conversei com um grupo de portugueses que estava se preparando para sair rumo ao refúgio Los Cuernos. O segundo trecho é um sobe-e-desce no meio das árvores, mas nada complicado. Novamente levei menos que a 1:30h indicada no mapa para chegar ao final desta etapa, que é o camping Las Torres. Aí vi à minha frente a pedreira - literalmente - que teria que enfrentar. O mapa indicava uma hora; a placa no início da subida indicava 45min. Tomei coragem e comecei a subida. O caminho é assinalado com bolas vermelhas ou marrons pintadas nas rochas, então é difícil errar o caminho. Mas eu não sou lá muito boa em subir pedras, então fui no meu ritmo lento, levando quase 1:30 para subir, chegando lá em cima pouco depois do meio-dia. E começou a chover. Ainda otimista, botei meu poncho de chuva e sentei para lanchar. Meu plano desde o início era ficar no alto por cerca de uma hora e depois começar a voltar. Fiquei sentada encolhida sob o poncho. E chovia. E ventava. E chovia. Depois de meia hora, desisti. Não havia chance de ver as Torres melhor do que quando eu chegara, cada vez elas iam ficando mais encobertas. O pico delas fica a 2800m de altitude, só perdendo ali no parque para o Cerro Paine Grande, com 3050m. Pedi para um outro turista tirar uma foto minha com as Torres ao fundo, mas o cara não soube fazer isso e nem ao menos o gostinho desta recordação eu puder ter... Se as pedras já são uma tortura para mim, o que dizer de pedras molhadas? Com medo de um escorregão ou uma torção, apesar da confiança que as botas me davam, desci bem devagar. O poncho se mostrou horrível para este tipo de trilha nas pedras, pois eu tinha que levantá-lo para não prendê-lo com o pé. Na trilha normal ele não foi tão ruim. Com cerca de 2:30 de caminhada, eu estava de volta ao refúgio El Chileno, que a esta altura se encontrava lotadaço. Nem tentei entrar, fiquei secando um pouco do lado de fora antes de seguir caminho. Encontrei dois brasileiros que iam acampar lá no camping Las Torres - que ânimo, com essa chuva! Quando comecei a sair do vale, a neblina era intensa, não dava para ver quase nada à frente e até os postes de madeira não estavam bem visíveis. O pior é que cheguei a um ponto, já sem neblina, onde via uma outra trilha ao longe, à esquerda. Quando eu descia, havia visto outros caminhantes pararem e olharem naquela direção. Já pensou se houvesse pegado uma trilha errada na neblina? Quem assitiu a "Horizonte Perdido" entende a sensação que tive junto a um poste da trilha vendo a hosteria lá ao fundo - meu Shangri-La! Depois de tanta umidade, valeu pagar caro por um quarto aconchegante e quentinho, viu? E também pelo jantar, um buffet bem variado (sopas, saladas, uns oito pratos de carne, frango e peixe, várias sobremesas, pães e queijos). Antes do jantar verifiquei com os guias do hotel sobre os horários do catamarã que cruza o Lago Pehoé. O primeiro era às 9:00, mas não há ônibus que chegue lá tão cedo (são os mesmos ônibus que vêm de Puerto Natales, eles passam na guarderia Laguna Amarga e só chegam ao Pudeto, de onde sai o barco, quase meio-dia). Um transporte privado sai caríssimo, em torno de US$35. Isso atrapalhou meu plano inicial de fazer primeiro a trilha do Vale Francês e depois a trilha Los Cuernos de volta à hosteria, pois a primeira é uma trilha longa, que não conseguiria fazer só numa tarde. Então inverti o caminho, o que pensando bem era até melhor, pois faria uma trilha mais tranqüila no dia seguinte, recuperando-me da difícil trilha das Torres, antes de fazer a do Vale Francês, que é meio puxada. |
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Continua... | |||||||||||
© Maria Adelaide Silva Rio de Janeiro, Setembro de 2002 Última atualização em 222/Nov/2003 Visite a Página da Adelaide |
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