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O Relato

 
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    7º Dia - "Com quase três horas de caminhada, Los Cuernos apareceram e passei a vê-los o tempo todo de ângulos diferentes."

Tomei café quase 8:00. O tempo ainda estava meio feio, com algumas nuvens escuras. Arrumei minhas coisas para deixar a mala na recepção - iria levar só minha mochila, com as coisas necessárias para passar uma noite no refúgio. Estava um pouco assustada, pois a trilha Los Cuernos parecia ser das menos freqüentadas, ou seja, eu precisaria ter o dobro de cuidado.

Aliás, cabe uma nota: as trilhas que fiz nos parques Torres del Paine e Los Glaciares são muito bem marcadas e não tive dificuldade em fazê-las. Entretanto, caminhar sozinho não é uma prática segura e requer muito cuidado, especialmente em trechos escorregadios. Carregue sempre um bom mapa e se informe sobre o estado da trilha.

 
Lago Nordenskjold com arco-iris
 
folhagem colorida no Lago Nordenskjold
  Saí quase 10:00, sob uns pingos de chuva, mas logo passou. O começo da trilha é o mesmo que a das Torres, mas depois da ponte pênsil as trilhas se separam (Las Torres à direita, Los Cuernos à esquerda). Mais adiante apareceram placas confirmando o caminho. Com cerca de 45min de caminhada, apareceu o Lago Nordensköld, que passou a ser uma constante na paisagem. O céu foi abrindo e passou a fazer bastante calor. A trilha é fácil, através de campos com arbustos, flores e pássaros, só apresentando alguma dificuldade na hora de cruzar os rios. Teve um em especial, com cerca de 2h de caminhada, que foi mais difícil. Nessas horas eu parava e estudava bem o caminho, procurando adivinhar onde seria mais fácil cruzá-los sem o risco de me estabacar nas pedras.

Após cerca de três horas de caminhada, Los Cuernos apareceram e não saíram mais da minha vista. A esta altura ventava muito e mesmo com o sol forte botei o parka e o capuz. Como sempre, parecia que ia ser levada pelo vento. Uma vantagem de fazer a trilha neste sentido é que o sol fica nas nossas costas a maior parte do tempo, mas encontrei muita gente fazendo o sentido contrário. Fiquei impressionada com algumas pessoas com pesadas mochilas que passavam por mim nas subidas e descidas com aparente facilidade - como esse pessoal agüenta tanto peso?

Cheguei ao refúgio pouco depois das 14:00. Ele é novo - acho que menos de dois anos - e bastante agradável. As botas ficam do lado de fora, então traga chinelos ou pantufas (especialmente porque o chão do banheiro pode estar muito molhado). Uma lanterna - item sempre essencial na mochila - também é útil, pois não há iluminação nos quartos e nos banheiros. Os quartos são mistos e no que eu fiquei havia três beliches, sendo uma delas de três andares. Sorte minha ter conseguido uma cama na parte de baixo! Eles alugam saco de dormir. Foi uma boa surpresa, não fazia idéia que os refúgios fossem tão bons!

 
vista do refugio Los Cuernos
  Descansei um pouco (meus pés ainda estavam meio "moídos" da véspera) e depois do banho fui para o salão, bem mais quentinho que o quarto por causa do sol. Há um janelão com vista para Los Cuernos - o refúgio é bem embaixo deles. Mais tarde passaram pelo refúgio os dois brasileiros que havia encontrado na véspera, eles estavam a caminho do camping Italiano, na entrada do Vale Francês.

O jantar no refúgio estava muito gostoso. Teve sopa, gnocchi com pedaços de carne, abacaxi em calda e um delicioso pãozinho feito lá mesmo. Na mesma mesa estavam dois casais da Nova Zelândia que moram na Inglaterra (um deles já esteve no Brasil) e um de suíços, todos fazendo aquelas viagens que duram meses. Eles estavam no camping anexo, não no refúgio. Quando fui escovar os dentes, o banheiro estava encharcado.

 
cachoeira sob Los Cuernos
  8º Dia - "De vez em quando eu me virava para ver as últimas imagens do vale."

Acordei de madrugada para ir ao banheiro e ele estava seco - sinal que o pessoal dá uma ajeitada neles antes de dormir. O café-da-manhã é servido a partir de 7:30. Enquanto ficava pronto, conversei com o pessoal da cozinha. Eles trabalham 12 dias seguidos e têm três de folga. Um barco os leva e traz, bem como aos mantimentos, que também podem vir de cavalo. Existem duas opçoes de café, o continental e o americano, este último com cereais e ovos. Fiz uma troca e comi uma outra porção de cereais em vez dos ovos.

Quando saí, o pessoal do quarto ainda dormia. Eu sou mesmo madrugadora. O tempo estava bom e ventava menos que na véspera. Comecei a caminhar para o Vale Francês já quase 9:00. Com cerca de meia hora, encontrei muitas pedras, o que atrasou um pouco o meu passo, e com cerca de uma hora cheguei a uma espécie de praia à beira do lago. Depois foram várias subidas e descidas até chegar à entrada do vale. Há rios também nesta trilha. Até chegar ao camping Italiano, levei mais do que as 2h indicadas no mapa.

 
Cerro Paine Grande e geleira Frances
  Segui em frente, caminhando na trilha que sobe o rio, primeiro pela floresta, depois nas pedras. Com cerca de 50min de caminhada, chega-se a um trecho bem íngreme onde se sobe com o auxílio de cordas - me lembrei do velho seriado "Batman". Do outro lado do rio, via-se o Cerro Paine Grande (3050m) e a geleira Francês pendurada em sua encosta. Com freqüência o barulho de gelo partindo ecoava pelo vale. Após mais ou menos 1:30h de caminhada, cheguei a um platô de onde se tem uma vista das montanhas em volta - a gente se sente cercado de montanhas - e do lago ao longe, lá embaixo. Olhando depois com cuidado o mapa, vi que tinha subido 600m! Tirei muitas fotos e lanchei ali, admirando a paisagem. Abaixo mostro uma montagem de fotos que fiz, tentando dar uma visão de 360º do vale, mas faltou um pedacinho...

 
Vale Frances
 
flores na trilha
  Um outro caminhante que voltava disse que com mais uns 15min de caminhada eu encontraria uma vista ainda melhor das montanhas. Cheguei a seguir mais um pouco, mas acabei desistindo, pois tinha que voltar e seguir até o refúgio Pehoé para pegar o barco e não tinha noção se o tempo seria suficiente, já que às vezes estava levando mais tempo que o indicado no mapa. Comecei a voltar pouco depois de 13:00 e encontrei os neo-zelandeses que subiam. Descansei à sombra no camping Italiano, antes de cruzar o rio e continuar a trilha às 15:00. Atravessei uma área de vegetação muito bonita, com muitos arbustos, além de algumas flores e árvores. Às vezes olhava para trás e via aos poucos Los Cuernos sumirem. O caminho é fácil, quase sempre plano, com boa parte próximo ao Lago Skottsberg. Nos trechos mais pantanosos por causa da água que desce da montanha, há umas passarelas de madeira.

Após duas horas desde que havia deixado o camping, vi o Lago Pehoé ao longe. A trilha fica ainda mais fácil; num descampado com um ligeiro sobe-e-desce. Mas o vento... lá estava ele de novo tentando me levar! Acabei chegando ao refúgio Pehoé às 17:30, ou seja, com uma hora de folga para pegar o barco. Entrei um pouquinho no refúgio, estava lotado. Me pareceu ser do mesmo nível do Los Cuernos, embora mais apertado. Se eu soubesse, teria ficado aqui uma noite para no dia seguinte fazer a trilha do Lago Grey.

Fiquei batendo papo do lado de fora com um casal de alemães e uma canadense. A alemã me contou da difícil noite que passara no camping, pois mesmo com umas proteções contra vento parece que tudo vai sair voando. O catamarã chegou 18:30 e até desembarcar todo mundo e entramos, acabamos saindo 18:45. A tarifa inclui bebidas quentes - um chocolate quente caiu muito bem! A viagem dura meia hora e permite ver o Salto Grande de frente. Os ônibus esperam o barco antes de seguirem para Laguna Amarga (cerca de 45min) e depois Puerto Natales. Eu voltei à Hosteria Las Torres.

 
    9º Dia - "Fiquei ali por mais de uma hora, vendo a geleira ao longe e o lago bem abaixo, só curtindo a vista, sem canseira."
 
placa do parque
  Dormi feito uma pedra até 7:30. Quando fui tomar café já eram 8:15 e algumas coisas tinham acabado - como pode? Peguei uma van às 9:00 para a guarderia, onde tirei umas fotos antes de chegar o primeiro ônibus de Puerto Natales. A maior parte do pessoal desce ali para começar pela trilha Las Torres - que é a preferida também por quem só tem tempo de fazer uma trilha. De qualquer forma, todos descem para pagar a taxa do parque. Entre os poucos que continuavam no ônibus, havia um grupo de italianos já de uma certa idade, todos com imensas mochilas. Como é que eu me canso tanto com uma mochila pequena?

Uma cortesia do motorista: ele perguntou se queríamos parar num dos mirantes do caminho, pois havia uma raposa. Ela nem se espantou com o alvoroço dos turistas, fez até pose. Após as fotos, seguimos viagem, chegando a Pudeto quase 11:00. Lá tem um refúgio também, mas não pareceu ser grande coisa. Encontrei a alemã com quem conversara no dia anterior no refúgio Pehoé, ela estava voltando a Puerto Natales.

 
Lago Roca
 
tronco
  O catamarã saiu ao meio-dia e assim que cheguei ao outro lado comecei a caminhar. Primeiro, quinze minutos no plano, a única dificuldade era o sol forte. Depois começa algum sobre-e-desce, mas muito suave. Ou então eu já estava acostumada com pirambeira... Após uns 50min, cheguei ao Lago Roca, que fica bem acima do Lago Grey e tinha árvores com folhas amarelas e vermelhas - parecia paisagem de outono. Aí começou um trecho muito bonito, com muitas flores e um pouco de floresta, mas um sobe-e-desce mais acentuado. Vi muitos guardas florestais e militares que vieram ajudar no combate ao incêndio, que a esta altura estava controlado. Cheguei a passar por um trecho bastante destruído e ainda com um cheirinho de mato queimado. Nesse pedaço tem um mirante natural sobre o Lago Grey e dá para ver os icebergs lá embaixo a caminho da "praia" do lago onde eu estivera dias antes.

Com cerca de 90min de caminhada já podia ver a geleira ao longe e a trilha se dividia em duas. A trilha que sobe é bem sutil e talvez não a percebesse se não fossem alguns soldados sentados um pouco acima. A trilha que desce é a mais usada para quem vai até a geleira, mas resolvi subir pela outra para ver melhor a paisagem e descobri o caminho, que mais adiante sai das rochas para um matinho, até chegar a umas pedras que pareciam lâminas inclinadas brotando do solo. Gostei do visual do mirante e resolvi ficar por ali mesmo. Eu sabia que ir até a geleira e voltar a tempo de pegar o barco seria difícil para mim, talvez impossível, além do que ainda veria geleiras bem de perto na Argentina, então optei por descansar e curtir a paisagem e a tranqüilidade do lugar.

O sol estava à toda, o céu totalmente azul. Alguns dos italianos do ônibus passaram ali e conversamos um pouco antes de eles seguirem adiante. Vi o barco que faz o passeio no Lago Grey passar, tão pequeno! Ele vai até o refúgio e é uma alternativa para a caminhada. Se não me engano, ao sair do cais do refúgio ele passa em frente à geleira. Alguém me falou ou li em algum lugar que ele parava numa ilhota que tem no meio do gelo, mas não faz mais isso. De qualquer forma, existem passeios saindo do refúgio para caminhar sobre a geleira.

geleira Grey
      
geleira Grey
      
geleira Grey
 
Quando deu 16:00, me arrumei para começar a voltar. A volta foi mais rápida, mesmo parando mais fotos no Lago Roca. Passei no armazém para comprar água e aproveitei para usar o banheiro do camping (limpo, mas sem papel, o que resolvi com meu estoque de emergência da mochila). Enquanto esperava o barco, conversei com uma japonesa que tida ido ao Chile para aprender espanhol. Ao pegar o ônibus em Pudeto, descobri que a passagem de ônibus de/para Puerto Natales permite os transfers internos no parque.

Fui jantar já quase 21:00 e o salão estava cheio, mas descobri um casal de brasileiros - o hotel coloca uma bandeirinha do país do hóspede nas mesas, então foi fácil descobrir de onde eles eram - e me convidaram para sentar com eles. Eles haviam chegado dois dias antes (bem que eu achava ter escutado alguém falando português no quarto ao lado) e ficariam ainda o dia seguinte. Foram parar em Paine meio por acaso, pois fazia parte do pacote que haviam comprado com a agência Viva Terra (que eu havia contactado quando comecei a planejar a viagem). O jantar foi parecido com o da outra noite. Me decepcionei com uma mousse de café - pensei que fosse de chocolate!

 
    10º Dia - "Minhas últimas imagens de Paine foram de nuvens cobrindo o maciço. Dava para ver que chovia nas Torres."

Acordei mais ou menos 7:00 para meu último dia de Torres del Paine. Eram quase 8:30 quando saí para caminhar até a guarderia Laguna Amarga, minha escolha para aquela manhã. Se eu tivesse muito ânimo e pés bem descansados, talvez até tivesse coragem de ir de novo às Torres. Havia também pensado em pegar um pedacinho de outra trilha, que é o início do Circuito Grande, que contorna o maciço do Paine até o refúgio Grey. Dizem que é uma trilha bonita, que leva 5 ou 6 dias, mas com alguns trechos bem pesados e sem grandes facilidades no caminho, só campings.

 
gaviao
  O dia estava ensolarado e fazia calor, apesar de ser ainda cedo. Fui parando muito no caminho, para tirar fotos da vegetação e das montanhas - as Torres estavam visíveis, que lindas! Vi um pássaro grande, me pareceu um gavião, muito bonito. Depois consegui identificá-lo como um carcará ou carancho. Seu bico tem normalmente uma parte laranja, mas que neste que vi estava amarela - sinal de excitação, pelo que eu li. Quando tentei me aproximar mais, ele voou, talvez em busca de sua namorada...

Depois de mais de uma hora de caminhada, o céu já estava ficando nublado e a oeste havia um arco-íris - sinal de que já chovia - e as Torres estavam encobertas. É, não teria sido uma boa fazer a trilha de novo. Antes mesmo de chegar na guarderia, peguei uma van subindo cheia de turistas recém chegados de Puerto Natales.

Las Torres
      
flores e Las Torres
      
arco-iris
 
De volta à hosteria, fiquei sentada num banco, curtindo a paisagem e a tranqüilidade do lugar, relembrando os passeios. O sol aparecia e sumia, passarinhos cantavam, cavalos corriam (eles alugam cavalos lá, aliás). Mais tarde começou a chuviscar e entrei para tomar banho - estava coberta de poeira da estrada! Mesmo tendo feito check-out, eles dispõem de banheiros para os hóspedes, inclusive fornecendo toalhas, sabonete e xampu. O atendimento deles é sem dúvida muito bom. Depois fiquei no salão da ala principal, com vista para o Monte Almirante Nieto, aos pés do qual fica o hotel. Escrevi um pouco do meu diário, cochilei um pouco, depois fui tomar um sorvete no quiosque. Também comprei um pãozinho muito gostoso que eles vendem lá, para comer no ônibus.

As vans do hotel começaram a descer às 15:00 para a guarderia e pouco depois de chegarmos lá, começaram a chegar os ônibus. Descobri que meu voucher era para a empresa Buses Gomez. Chuviscava de leve quando saímos de lá. Em menos de duas horas estávamos de volta a Puerto Natales, mesmo com duas paradas aparentemente só para colocar água no radiador.

Fiquei novamente no Hostal Drake. Aproveitei o tempo livre para levar algumas roupas para lavar numa das quatro lavanderias citadas no meu guia. Entregam em duas horas, então fui passear. Comprei postais e uma camiseta de Torres del Paine que eu já havia "namorado" antes. Também mandei alguns e-mails (existem diversas lojas com acesso à Internet, a mais em conta que encontrei ficava na rua Blanco Ensenada entre as ruas Bulnes e Esmeralda).

Jantei no La Repizza, que além de pizzas (obviamente) tem também sanduíches. Mas fui de pizza mesmo, dentre as muitas escolhi a de atum, que estava gostosinha e era até grande para a minha fome. Passei no supermercado para comprar algumas coisinhas para comer no ônibus e quando retornava para a lavanderia, virei uma esquina e encontrei de novo o Massimo - que coincidência! Ele estava indo para Torres del Paine no dia seguinte, depois de ter ido à Argentina (Ushuaia e El Calafate). Conversamos sobre nossas viagens enquanto passeamos à beira do Seno Ultima Esperanza, em busca de uma foto de pôr-do-sol que mais uma vez ficou só na vontade. Massimo adorou a colônia de pingüins de Isla Magdalena, me deixando morta de inveja. Ele só teria três dias para Torres del Paine - que correria! - retornando em seguida para a Itália.

 
    Continua...    

  © Maria Adelaide Silva
  Rio de Janeiro, Setembro de 2002

  Última atualização em 22/Set/2002

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